. O Segundo Sexo .
Ariana legítima, dessas que recebem com euforia tudo o que a vida tem para aferecer, me deparei, segunda feira passada, com aquela chuvinha interminável e nada para fazer. Nestes dias, recorro infalivelmente à minha estante.
Meu coração bateu mais forte ao encontrar, no acervo da Denise, a 4ª edição de "O Segundo Sexo", de Simone de Beauvoir, parte 1, fatos e mitos; publicação comprada com todo carinho, num sebo, há alguns anos.
O sebo, para mim, carrega uma certa magia. Além de tudo o que a leitura nos proporciona, um livro comprado num sebo se apresenta com uma aura de nostalgia que nos encanta, nos remete a algum lugar muito confortável em nossa alma.
E esse então, da Simone de Beauvoir... a própria capa é pura nostalgia, tão contemporânea quanto a autora... e sua foto na "orelha" esquerda... quanta altivez, quanta serenidade... atributos de corajosos ou dos iniciados...
Na introdução, ela nos diz: "Hesitei por muito tempo em escrever um livro sobre a mulher. O tema é irritante, principalmente para as mulheres. E não é novo. A querela do feminismo deu muito que falar: agora está mais ou menos encerrada. Não toquemos mais nisso...
No entanto , ainda se fala dela. E não parece que as volumosas tolices que se disseram neste último século tenham realmente esclarecido a questão."
Algumas destas "volumosas tolices" remontam de sisudos filósofos:
Pitágoras: "Há um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher."
Aristóteles: "A fêmea é fêmea em virtude de certa carência de qualidades."
São Tomás de Aquino: "A mulher é um homem incompleto, um ser 'ocasional'."
"Bendito seja Deus, nosso Senhor e o Senhor de todos os mundos por não me ter feito mulher", dizem os judeus nas suas preces matinais, enquanto suas esposas murmuram com resignação: "Bendito seja o Senhor que me criou segundo a sua vontade".
"Entre as mercês que Platão agradecia aos deuses, a maior se lhe afigurava o fato de ter sido criado livre e não escravo e, a seguir, o de ser homem, e não mulher."
Le Deuxieme Sexe, título original, data de 1949, portanto, foi escrito há 50 anos. A tradução para o português data de 1980, feita por Sérgio Milliet, que provavelmente seja o autor do texto da "orelha":
"Este talvez seja o mais famoso livro de Simone de Beauvoir. Lançado numa época em que sequer se usava o termo 'feminismo', hoje ele pode ser considerado como o texto que, em escala mundial, inaugurou de forma ampla o debate sobre a situação da mulher.
O ponto de partida desta reflexão apaixonante - que interessa não só às mulheres, mas sobretudo aos homens - é a constatação de que a mulher é escrava de sua própria situação: ela não tem passado, não tem história, não tem religão própria.
Ou seja: a mulher não produziu, pelo menos como protagonista, nenhuma civilização. Seu papel sempre foi caudatário da palavra do homem. Sua linguagem só é aceita enquanto subordinada aos códigos de vida e comunicação estabelecidos pelo homem.
E, pior, o mito do 'eterno feminino' nada mais é do que as algemas em que a mulher é mantida em sua alienação.
Contudo, não se trata de colocar esta questão como algo intransponível, fruto de uma fatalidade biológica.
A libertação é essencial ao homem e à mulher enquanto seres humanos; tanto o que domina quanto o que é dominado são alienados de sua verdadeira condição. Ambos os sexos são vítimas ao mesmo tempo do outro e de si.
Enquanto o homem e a mulher não se reconhecerem como semelhentes, enquanto não se respeitarem como pessoas em que, do ponto de vista social, político, econômico, não há a menor diferença, os seres humanos estarão condenados a não verem o que têm de melhor: a sua liberdade."
P.S. - Continuando minha leitura, oportunamente voltaremos ao assunto.
O texto de hoje ofereço às mulheres do Afeganistão que ainda hoje vivem em constante pesadelo. Você já leu "O Livreiro de Cabul" e "A cidade do Sol"?
Meu coração bateu mais forte ao encontrar, no acervo da Denise, a 4ª edição de "O Segundo Sexo", de Simone de Beauvoir, parte 1, fatos e mitos; publicação comprada com todo carinho, num sebo, há alguns anos.
O sebo, para mim, carrega uma certa magia. Além de tudo o que a leitura nos proporciona, um livro comprado num sebo se apresenta com uma aura de nostalgia que nos encanta, nos remete a algum lugar muito confortável em nossa alma.
E esse então, da Simone de Beauvoir... a própria capa é pura nostalgia, tão contemporânea quanto a autora... e sua foto na "orelha" esquerda... quanta altivez, quanta serenidade... atributos de corajosos ou dos iniciados...
Na introdução, ela nos diz: "Hesitei por muito tempo em escrever um livro sobre a mulher. O tema é irritante, principalmente para as mulheres. E não é novo. A querela do feminismo deu muito que falar: agora está mais ou menos encerrada. Não toquemos mais nisso...
No entanto , ainda se fala dela. E não parece que as volumosas tolices que se disseram neste último século tenham realmente esclarecido a questão."
Algumas destas "volumosas tolices" remontam de sisudos filósofos:
Pitágoras: "Há um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher."
Aristóteles: "A fêmea é fêmea em virtude de certa carência de qualidades."
São Tomás de Aquino: "A mulher é um homem incompleto, um ser 'ocasional'."
"Bendito seja Deus, nosso Senhor e o Senhor de todos os mundos por não me ter feito mulher", dizem os judeus nas suas preces matinais, enquanto suas esposas murmuram com resignação: "Bendito seja o Senhor que me criou segundo a sua vontade".
"Entre as mercês que Platão agradecia aos deuses, a maior se lhe afigurava o fato de ter sido criado livre e não escravo e, a seguir, o de ser homem, e não mulher."
Le Deuxieme Sexe, título original, data de 1949, portanto, foi escrito há 50 anos. A tradução para o português data de 1980, feita por Sérgio Milliet, que provavelmente seja o autor do texto da "orelha":
"Este talvez seja o mais famoso livro de Simone de Beauvoir. Lançado numa época em que sequer se usava o termo 'feminismo', hoje ele pode ser considerado como o texto que, em escala mundial, inaugurou de forma ampla o debate sobre a situação da mulher.
O ponto de partida desta reflexão apaixonante - que interessa não só às mulheres, mas sobretudo aos homens - é a constatação de que a mulher é escrava de sua própria situação: ela não tem passado, não tem história, não tem religão própria.
Ou seja: a mulher não produziu, pelo menos como protagonista, nenhuma civilização. Seu papel sempre foi caudatário da palavra do homem. Sua linguagem só é aceita enquanto subordinada aos códigos de vida e comunicação estabelecidos pelo homem.
E, pior, o mito do 'eterno feminino' nada mais é do que as algemas em que a mulher é mantida em sua alienação.
Contudo, não se trata de colocar esta questão como algo intransponível, fruto de uma fatalidade biológica.
A libertação é essencial ao homem e à mulher enquanto seres humanos; tanto o que domina quanto o que é dominado são alienados de sua verdadeira condição. Ambos os sexos são vítimas ao mesmo tempo do outro e de si.
Enquanto o homem e a mulher não se reconhecerem como semelhentes, enquanto não se respeitarem como pessoas em que, do ponto de vista social, político, econômico, não há a menor diferença, os seres humanos estarão condenados a não verem o que têm de melhor: a sua liberdade."
P.S. - Continuando minha leitura, oportunamente voltaremos ao assunto.
O texto de hoje ofereço às mulheres do Afeganistão que ainda hoje vivem em constante pesadelo. Você já leu "O Livreiro de Cabul" e "A cidade do Sol"?
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home