. "ditabranda".
Há alguns dias, em editorial, a Folha de São Paulo classificou a ditadura militar como "ditabranda". Absurdo total, para não dizer crime contra a memória brasileira e especialmente às famílias que tiveram seus ente-queridos presos, torturados, exilados ou "suicidas".
Por que a Folha não publica cartas de Ivan Seixas?
Do blog de Rodrigo Vianna
Ivan Seixas tinha 16 anos quando foi preso pela ditadura, ao lado do pai, Joaquim Alencar de Seixas. No dia 16 de abril de 1971, os dois foram levados para o DOI-CODI/OBAN, em São Paulo, e barbaramente torturados.
Ivan ficou indignado quando leu o editorial da Folha de S. Paulo, definindo a ditadura brasileira como “ditabranda”. Falei há pouco com ele por telefone:
“É muita arrogância dos Frias, ainda mais com os pés de barro que eles têm. Os Frias não têm direito de pontificar sobre a ditadura, até porque colaboraram com a ditadura”.
Ivan Seixas mandou duas cartas para a Redação da Folha, protestando. Nenhuma das duas foi publicada. Escreveu, também, para o Ombudsman. Nada. Nesta última, fez referência ao passado nebuloso do grupo Folha, jornal que “empregava carros para nos capturar e entregar para sessões de interrogatórios, como sofremos eu e meu pai. Ninguém me contou, eu vi carro da Folha na porta da OBAN/DOI-CODI."
Ivan sabe do que está falando quando diz que a Folha tem pés de barro nesse tema. Na madrugada do dia 17 de abril de 1971, poucas horas após a prisão dele e do pai, policiais a serviço da “ditabranda” tiraram Ivan da prisão para um “passeio” por São Paulo. Tomaram o caminho do Parque do Estado, uma área de mata fechada, próxima ao Jardim Zoológico. Lá, o jovem (algemado e desarmado) foi ameaçado várias vezes de fuzilamento. Os policiais - polidos como só acontecia na “ditabranda” brasileira - dispararam várias vezes bem ao lado da cabeça de Ivan. Ele fechava os olhos e tinha certeza que morreria: tortura terrível. Mas, deixaram-no vivo, pra contar a história.
No caminho para o Parque do Estado, os funcionários da “ditabranda” pararam numa padaria, na antiga Estrada do Cursino. Desceram pra tomar café, deixando Ivan no “chiqueirinho” da viatura. Foi de lá que Ivan conseguiu observar a manchete da Folha da Tarde (jornal do grupo Frias), estampada na banca bem ao lado da padaria: o jornal anunciava a morte do pai dele, Joaquim.
Prestem bem atenção: a Folha da Tarde do dia 17 trazia manchete com a morte de Joaquim – que teria ocorrido dia 16.
Só que, ao voltar de seu “passeio” com os policiais, Ivan encontrou o pai vivo e consciente, nas dependências do DOI-CODI. Joaquim só morreria – sob tortura – no próprio dia 17. Ou seja, o jornal da família Frias já sabia que Joaquim estava marcado pra morrer, e “adiantou” a notícia em um dia. Detalhe banal.
A historiadora Beatriz Kushnir publicou um livro em que conta essa e outras histórias mostrando os vínculos estreitos da família Frias com a ditadura.
Ivan está se movimentando para que o livro de Beatriz seja relançado este ano, em São Paulo. O ato serviria também como desagravo às vítimas da ditadura, e como protesto contra a família Frias, que quer reescrever a história recente do Brasil. O velho Frias, antes de ter jornal, se dedicava a criar galinhas. Não tinha pretensões intelectuais. Frias Filho – o Otavinho – acha que é um pensador. Devia criar galinhas. Pensando bem, melhor não. Deixem os bons granjeiros fazerem o serviço deles honestamente...
Rodrigo Vianna é jornalista
Por que a Folha não publica cartas de Ivan Seixas?
Do blog de Rodrigo Vianna
Ivan Seixas tinha 16 anos quando foi preso pela ditadura, ao lado do pai, Joaquim Alencar de Seixas. No dia 16 de abril de 1971, os dois foram levados para o DOI-CODI/OBAN, em São Paulo, e barbaramente torturados.
Ivan ficou indignado quando leu o editorial da Folha de S. Paulo, definindo a ditadura brasileira como “ditabranda”. Falei há pouco com ele por telefone:
“É muita arrogância dos Frias, ainda mais com os pés de barro que eles têm. Os Frias não têm direito de pontificar sobre a ditadura, até porque colaboraram com a ditadura”.
Ivan Seixas mandou duas cartas para a Redação da Folha, protestando. Nenhuma das duas foi publicada. Escreveu, também, para o Ombudsman. Nada. Nesta última, fez referência ao passado nebuloso do grupo Folha, jornal que “empregava carros para nos capturar e entregar para sessões de interrogatórios, como sofremos eu e meu pai. Ninguém me contou, eu vi carro da Folha na porta da OBAN/DOI-CODI."
Ivan sabe do que está falando quando diz que a Folha tem pés de barro nesse tema. Na madrugada do dia 17 de abril de 1971, poucas horas após a prisão dele e do pai, policiais a serviço da “ditabranda” tiraram Ivan da prisão para um “passeio” por São Paulo. Tomaram o caminho do Parque do Estado, uma área de mata fechada, próxima ao Jardim Zoológico. Lá, o jovem (algemado e desarmado) foi ameaçado várias vezes de fuzilamento. Os policiais - polidos como só acontecia na “ditabranda” brasileira - dispararam várias vezes bem ao lado da cabeça de Ivan. Ele fechava os olhos e tinha certeza que morreria: tortura terrível. Mas, deixaram-no vivo, pra contar a história.
No caminho para o Parque do Estado, os funcionários da “ditabranda” pararam numa padaria, na antiga Estrada do Cursino. Desceram pra tomar café, deixando Ivan no “chiqueirinho” da viatura. Foi de lá que Ivan conseguiu observar a manchete da Folha da Tarde (jornal do grupo Frias), estampada na banca bem ao lado da padaria: o jornal anunciava a morte do pai dele, Joaquim.
Prestem bem atenção: a Folha da Tarde do dia 17 trazia manchete com a morte de Joaquim – que teria ocorrido dia 16.
Só que, ao voltar de seu “passeio” com os policiais, Ivan encontrou o pai vivo e consciente, nas dependências do DOI-CODI. Joaquim só morreria – sob tortura – no próprio dia 17. Ou seja, o jornal da família Frias já sabia que Joaquim estava marcado pra morrer, e “adiantou” a notícia em um dia. Detalhe banal.
A historiadora Beatriz Kushnir publicou um livro em que conta essa e outras histórias mostrando os vínculos estreitos da família Frias com a ditadura.
Ivan está se movimentando para que o livro de Beatriz seja relançado este ano, em São Paulo. O ato serviria também como desagravo às vítimas da ditadura, e como protesto contra a família Frias, que quer reescrever a história recente do Brasil. O velho Frias, antes de ter jornal, se dedicava a criar galinhas. Não tinha pretensões intelectuais. Frias Filho – o Otavinho – acha que é um pensador. Devia criar galinhas. Pensando bem, melhor não. Deixem os bons granjeiros fazerem o serviço deles honestamente...
Rodrigo Vianna é jornalista
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