30.11.09

. transitoriedade .

Pensando na postagem lindíssima abaixo, escrita pelo meu eterno guru, frei Betto, me identifico com aquela mulher, na contramão da história ao procurar um sentido para sua vida, num mundo dos que "se acham o último biscoito do pacote".

Aí me lembrei de um texto que li em algum lugar, da sabedoria oriental, que tentarei transmitir, fechando Novembro que nos remete à transitoriedade e à eternidade de todas as coisas:

Conta-se que um determinado discípulo tinha um grande sonho: conhecer seu guru de perto, conhecer sua casa, seus hábitos. Preparou-se para a viagem levando sua melhor roupa, presentes caríssimos, imaginando como seria o palácio do seu mestre, como seria a recepção, etc...

Depois de muito caminhar por dias a fio, chegou finalmente à região onde estaria instalado seu querido mestre. Conversa vai, conversa vem com o pessoal do povoado, não queria acreditar que aquela seria a residência do grande sábio:

Um casebre, com poucos pertences: alguns pacotes de grãos, uma velha moringa de água, uma trouxa de roupas e alguns livros sagrados.

Com um misto de decepção e curiosidade, perguntou:
-Onde estão seus bens, sua mobília, suas melhores roupas, sapatos, seu carro? ao que o sábio respondeu:

-Onde estão os seus? Ele respondeu mais que depressa: -Eu estou de passagem.

-Eu também!!! respondeu calmamente o guru.

. FIB .

A arte de ser feliz

Escrito por Frei Betto
24-Nov-2009

Recebi de uma amiga este apelo: "Existe alguma receita capaz de fazer uma pessoa se apaixonar por algo - seja o que for??? Nem precisa ser coisa transcendental. Algo que dê um sentido à vida. Não que a vida seja desprovida de sentido, mas desprovida de sabor.

"É claro que estou me referindo a mim, e posso até estar sendo exigente demais, ou cruel demais com a minha pessoa. Mas é esta a reflexão de hoje, de agora. Me dou conta de que não tenho paixão alguma. Pelo menos é o que a minha mente me fala e o que percebo. Isso me faz sentir falta de algo...

"Tem gente que gosta de corrida de carros, de cavalos, de barcos. Gente que ama fazer tricô, escalar montanhas, meditar hoooooras a fio; gosta de ler, de ser médico, jornalista, político até. Puxa vida... como admiro isso. A vida frenética das cidades pulsa em algumas pessoas, e a vida pacata do campo em outras. Tenho alegrias e uma normalidade ética permeada por um bom senso bem bacana. Mas eu sinto (até irracionalmente), de forma muito forte, a impermanência.

"Um dia você disse que gostaria de ser semente. Refleti sobre e... nada aconteceu. O ritual inevitável da convivência e tudo o que envolve as relações interpessoais, somados a um bom astral, já cuidam disso. Queria me apaixonar. Ter um hobby. Qualquer um.

"Alegrias são muitas. Tenho o sorriso fácil... Mas a felicidade é coisa rara, de frágeis e preciosos momentos. Tenho uma implicância danada com aquela música do Zeca Pagodinho que diz: "...deixa a vida me levar... vida leva eu..." Quero sentir um sentido. A vida, o planeta, a diversidade religiosa etc., são assombrosos de tanto infinito. Mas permaneço no raso. Sem querer explorar o seu tempo e os seus insights... digo: gostaria de saber o que você teria a dizer sobre isso".

Fiquei pensativo. Há pessoas que me julgam portador de respostas para os impasses da vida. Mal sabem elas quanto acumulo em minha trajetória. Contudo, sei o que é felicidade. Difere da alegria. Felicidade é um estado de espírito, é estar bem consigo, com a natureza, com Deus. Com os outros, nem sempre. As relações humanas são amorosamente conflitivas. Invejas, mágoas, disputas, mal-entendidos, são pedras no sapato.

Alegria é algo que se experimenta eventualmente. Uma pessoa pode ser feliz sem parecer alegre. E conheço muitos que esbanjam alegria sem me convencerem de que são felizes.

Após meditar sobre a consulta de minha amiga, respondi: "Querida X: diria que a primeira coisa é sair da toca... Enturmar-se com quem já encontrou algum sentido na vida: a equipe de jogo de xadrez, a turma do cinema, de arte em casa, o grupo político, a ONG da solidariedade etc. É preciso enturmar-se, sentir a emulação que vem da comunidade, dos outros, esse entusiasmo que, se hoje falta em mim, exala do companheiro ao lado...

"Você pode encontrar a paixão de viver em mil atividades: ler histórias num asilo, ajudar voluntariamente num hospital pediátrico, costurar para uma creche ou participar de um partido político, um grupo de apoio a movimentos sociais; alfabetizar domésticas e porteiros de prédios ou se dedicar a pesquisar a história do candomblé ou por que tantos jovens buscam na droga a utopia química que não encontram na vida.

"Mas, sobretudo, sugiro mergulhar numa experiência espiritual. Mergulhar. É o que, agora, nesta manhã luminosa de Cruz das Almas (BA), me vem à cabeça e ao coração".

O sábio professor Milton Santos, que não tinha crença religiosa, frisava que a felicidade se encontra nos bens infinitos. No entanto, a cultura capitalista que respiramos centra a felicidade na posse de bens finitos. Ora, a psicanálise sabe que o nosso desejo é infinito, insaciável. E a teologia identifica Deus como o seu alvo.

Ninguém mais feliz, na minha opinião, do que os místicos. São pessoas que conseguem direcionar o desejo para dentro de si, ao contrário da pulsão consumista que faz buscar a satisfação do desejo naquilo que está fora de nós. O risco, ao não abraçar a via do Absoluto, é enveredar-se pela do absurdo.

Como o Mercado, que tudo oferece em sedutoras embalagens, ainda não foi capaz de ofertar o que todos nós mais buscamos – a felicidade -, então tenta nos incutir a idéia de que a felicidade resulta da soma dos prazeres. Possuir aquele carro, aquela casa, fazer aquela viagem, vestir aquela roupa... nos tornarão tão felizes quanto o visual dos atores e atrizes que aparecem em peças publicitárias.

Tenho certeza de que nada torna uma pessoa mais feliz do que empenhar-se em prol da felicidade alheia: isto vale tanto na relação íntima quanto no compromisso social de lutar pelo "outro mundo possível", sem desigualdades gritantes e onde todos possam viver com dignidade e paz.

O direito à felicidade deveria constar na Declaração Universal dos Direitos Humanos. E os países não deveriam mais almejar o crescimento do PIB, e sim do FIB – a Felicidade Interna Bruta.