28.3.09

. Fritjof Capra .

Sobre o princípio feminino neste mês de março, ofereço a você a lucidez de Fritjof Capra no prefácio da 2ª edição do livro de sua autoria "O Tao da Física":

"Nossa cultura tem favorecido, com firmeza, valores e atitudes yang, ou masculinos, e tem negligenciado seus valores e atitudes complementares ying, ou femininos. Temos favorecido a auto-afirmação em vez da integração, a análise em vez da síntese, o conhecimento racional em vez da sabedoria intuitiva, a ciência em vez da religião, a competição em vez da cooperação, a expansão em vez da conservação, e assim por diante. Esse desenvolvimento unilateral atinge agora, em alto grau, um nível alarmante, uma crise de dimensões sociais, ecológicas, morais e espirituais.

Estamos, no entanto, testemunhando ao mesmo tempo, o início de um espantoso movimento evolutivo que parece ilustrar o antigo ensinamento chinês segundo o qual "o yang, tendo atingido o seu clímax, retrocede em favor do ying".

As décadas de 60 e 70 geraram toda uma série de movimentos sociais que parecem caminhar nesta mesma direção. A preocupação crescente com a ecologia, o forte interesse pelo misticismo, a progressiva conscientização feminista e a redescoberta de aspectos holísticos à saúde e à cura são manifestações da mesma tendência evolucionária. Todas elas contrabalançam a ênfase excessiva dos valores e atitudes masculinos, racionais, e tendem a recuperar o equilíbrio entre os lados masculino e feminino da natureza humana.

Assim, a compreensão da profunda harmonia entre a visão de mundo da Física moderna e as do misticismo oriental surge como parte integral de uma transformação cultural muito mais ampla, levando à emergência de uma nova visão da realidade, a qual exigirá uma mudança fundamental em nossos pensamentos, percepções e valores".

Tive a alegria de conhecer Fritjof Capra num Fórum Social em Porto Alegre, numa simplicidade contagiante, como convém aos sábios e aos iniciados!!!

22.3.09

. Caminhos .

Interessante relembrar minhas andanças literárias pelo chamanismo, com diálogos imperdíveis entre Castañeda e Dom Juan.
Este texto ganhei do Gabriel, meu filho, em 2003:

"Qualquer caminho é apenas um caminho e não constitui insulto algum - para si mesmo ou para os outros - abandoná-lo quando assim ordena o seu coração...
Olhe cada caminho com cuidado e atenção. Tente-o tantas vezes quantas julgar necessárias...
Então faça a si mesmo e apenas a si mesmo uma pergunta: possui esse caminho um coração? Em caso afirmativo, o caminho é bom. Caso contrário, esse caminho não possui importância alguma."
(Carlos Castañeda)

18.3.09

. conversa de salão .

Dia destes, no Athena, nossa conversa girou em torno da saga da menina de nove anos, grávida de gêmeos, vítima de violência praticada pelo padrasto e da insensatez de um bispo que deveria acolhê-la neste momento de dor.
Partilho com você a lucidez e a coragem características de frei Betto:

Direito ao Aborto


Escrito por Frei Betto
13-Mar-2009

Embora contrário ao aborto, admito a sua descriminalização em certos casos, como o de estupro, e não apóio a postura do arcebispo de Olinda e Recife ao exigir de uma criança de 9 anos assumir uma gravidez indesejada sob grave risco à sua sobrevivência física (pois a psíquica está lesada) e ainda excomungar os que a ajudaram a interrompê-la.

Ao longo da história, a Igreja Católica nunca chegou a uma posição unânime e definitiva quanto ao aborto. Oscilou entre condená-lo radicalmente ou admiti-lo em certas fases da gravidez. Atrás dessa diferença de opiniões situa-se a discussão sobre qual o momento em que o feto pode ser considerado ser humano. Até hoje, nem a ciência nem a teologia têm a resposta exata. A questão permanece em aberto.

Santo Agostinho (séc. IV) admite que só a partir de 40 dias após a fecundação se pode falar em pessoa. Santo Tomás de Aquino (séc. XIII) reafirma não reconhecer como humano o embrião que ainda não completou 40 dias, quando então lhe é infundida a "alma racional".

Esta posição virou doutrina oficial da Igreja a partir do Concílio de Trento (séc. XVI). Mas foi contestada por teólogos que, baseados na autoridade de Tertuliano (séc. III) e de santo Alberto Magno (séc. XIII), defendem a hominização imediata, ou seja, desde a fecundação trata-se de um ser humano em processo. Esta tese foi incorporada pela encíclica Apostolica Sedis (1869), na qual o papa Pio IX condena toda e qualquer interrupção voluntária da gravidez.

No século XX, introduz-se a discussão entre aborto direto e indireto. Roma passa a admitir o aborto indireto em caso de gravidez tubária ou câncer no útero. Mas não admite o aborto direto nem mesmo em caso de estupro.

Bernhard Haering, renomado moralista católico, admite o aborto quando se trata de preservar o útero para futuras gestações ou se o dano moral e psicológico causado pelo estupro impossibilita aceitar a gravidez. É o que a teologia moral denomina ignorância invencível. A Igreja não tem o direito de exigir de seus fiéis atitudes heróicas.

Roma é contra o aborto por considerá-lo supressão voluntária de uma vida humana. Princípio que nem sempre a Igreja aplicou com igual rigor a outras esferas, pois defende o direito de países adotarem a pena de morte, a legitimidade da "guerra justa" e a revolução popular em caso de tirania prolongada e inamovível por outros meios (Populorum Progresio).

Embora a Igreja defenda a sacralidade da vida do embrião em potência, a partir da fecundação, ela jamais comparou o aborto ao crime de infanticídio e nem prescreve rituais fúnebres ou batismo in extremis para os fetos abortados…

Para a genética, o feto é humano a partir da segmentação. Para a ginecologia-obstetrícia, desde a nidação. Para a neurofisiologia, só quando se forma o cérebro. E para a psicossociologia, quando há relacionamento personalizado. Em suma, carece a ciência de consenso quanto ao início da vida humana.

Partilho a opinião de que, desde a fecundação, já há vida com destino humano e, portanto, histórico. Sob a ótica cristã, a dignidade de um ser não deriva daquilo que ele é e sim do que pode vir a ser. Por isso, o cristianismo defende os direitos inalienáveis dos que se situam no último degrau da escala humana e social.

O debate sobre se o ser embrionário merece ou não reconhecimento de sua dignidade não deve induzir ao moralismo intolerante, que ignora o drama de mulheres que optam pelo aborto por razões que não são de mero egoísmo ou conveniência social, como é o caso da menina do Recife.

Se os moralistas fossem sinceramente contra o aborto, lutariam para que não se tornasse necessário e todos pudessem nascer em condições sociais seguras. Ora, o mais cômodo é exigir que se mantenha a penalização do aborto. Mas como fica a penalização do latifúndio improdutivo e de tantas causas que, no Brasil, levam à morte, por ano, de cerca de 21 entre cada 1.000 crianças que ainda não completaram doze meses de vida?

"No plano dos princípios – declarou o bispo Duchène, então presidente da Comissão Espiscopal Francesa para a Família -, lembro que todo aborto é a supressão de um ser humano. Não podemos esquecê-lo. Não quero, porém, substituir-me aos médicos que refletiram demoradamente no assunto em sua alma e consciência e que, confrontados com uma desgraça aparentemente sem remédio, tentam aliviá-la da melhor maneira, com o risco de se enganar" (La Croix, 31/3/79).

O caso do Recife exige uma profunda análise quanto aos direitos do embrião e da gestante, a severa punição de estupros e violência sexual no seio da família, e dos casos de pedofilia no interior da Igreja e, sobretudo, como prescrever medidas concretas que socialmente venham a tornar o aborto desnecessário.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com L.F. Veríssimo e outros, de "O desafio ético" (Garamond), entre outros livros.

15.3.09

. Bicho Esquisito .

Nesta deliciosa madrugada de sábado, nada melhor do que nossa Roqueira, numa homenagem a todas nós, poderosas!!!

Cor de Rosa Choque
Rita Lee

Nas duas faces de Eva
A bela e a fera
Um certo sorriso
De quem nada quer...

Sexo frágil
Não foge à luta
E nem só de cama
Vive a mulher...

Por isso não provoque
É Cor de Rosa Choque
Oh! Oh! Oh! Oh! Oh!
Não provoque!
É Cor de Rosa Choque

Não provoque!
É Cor de Rosa Choque
Por isso não provoque
É Cor de Rosa Choque...

Mulher é bicho esquisito
Todo o mês sangra
Um sexto sentido
Maior que a razão

Gata borralheira
Você é princesa
Dondoca é uma espécie
Em extinção...

Por isso não provoque
É Cor de Rosa Choque
Oh! Oh! Oh! Oh! Oh!
Não provoque!
É Cor de Rosa Choque

Não provoque!
É Cor de Rosa Choque
Por isso não provoque
É Cor de Rosa Choque
Oh! Oh! Oh! Oh! Oh!

Não provoque!
É Cor de Rosa Choque
Não provoque!
É Cor de Rosa Choque

Por isso não provoque
É Cor de Rosa Choque...

9.3.09

. pérolas .

Que bom passar este Dia da Mulher (domingão corintiano) ao lado de Simone de Bouvoir! (em seu livro "O Segundo Sexo.")

São pérolas que marcaram época:

"Há um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mal que criou o caos, as trevas e a mulher." (Pitágoras)

"Devemos considerar o caráter das mulheres como sofrendo de certa deficiência natural." (Aristóteles)

"A mulher é um homem incompleto, um ser ocasional." (São Tomaz)

"A mulher é um animal que não é nem firme nem estável." (Santo Agostinho, se referindo à mulher casada, que não tinha condições de gerir seus bens)

Prece do homem judeu:
"Bendito seja Deus, nosso Senhor e o Senhor de todos os mundos, por não me ter feito mulher."

Prece das esposas dos judeus:
"Bendito seja o Senhor que me criou segundo a Sua vontade."

6.3.09

. coisas que vimos e ouvimos .

Para que nunca mais se fale em "ditabranda"
"Não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos". (At. 4,20)

Conta Dom Paulo Evaristo Arns no prefácio do livro "Brasil Nunca Mais":

"As experiências que desejo relatar no frontispício desta obra pretendem reforçar a idéia subjascente em todos os capítulos, a saber, que a tortura, além de desumana, é o meio mais inadequado para chegarmos a descobrir a verdade e chegar à paz.

...Um dia, ao abrir a porta do gabinete (atendia de 20 a 50 pessoas por semana, todas em busca do paradeiro de seus parentes) vieram ao meu encontro duas senhoras, uma jovem e outra de idade mais avançada.
A primeira, ao assentar-se à minha frente, colocou de imediato um anel sobre a mesa, dizendo: "É a aliança do meu marido, desaparecido há dez dias. Encontrei-a nesta manhã, na soleira da porta. Sr. padre, que significa esta devolução? É sinal de que está morto ou é um aviso para que eu continue a procurá-lo?"
Até hoje, nem ela nem eu tivemos resposta a essa interrogação dilacerante.

A senhora mais idosa fez a pergunta que já vinha repetindo há meses: "O senhor tem alguma notícia do paradeiro de meu filho?" Logo após o sequestro, ela vinha todas as semanas. Depois reaparecia de mes em mes. Sua figura se parecia sempre mais com a de todas as mães de desaparecidos. Durante mais de cinco anos, acompanhei a busca de seu filho, através da Comissão Justiça e Paz e mesmo do Chefe da Casa Civil da Presidência da República. O corpo da mãe parecia diminuir, de visita em visita. Um dia também ela desapareceu. Mas seu olhar suplicante de mãe jamais se apagará de minha retina."

Depoimentos de Mulheres torturadas:

(...) que a interrogada foi submetida a choques elétricos em vários lugares do corpo, inclusive nos braços, nas pernas e na vagina; que o marido da interogada teve a oportunidade de presenciar estas cenas relacionadas com choques elétricos e os torturadores amplificavam os gritos da interrogada, para que os mesmos fossem ouvidos pelo seu marido;(...)

(...) que, ao retornar à sala de torturas, foi colocada no chão
com um jacaré sobre seu corpo nu; (...)

(...) que foi transferida para o DOI da Polícia do Exército da B. de Mesquita, onde foi submetida a torturas com choque, drogas, servícias sexuais, exposição de cobras e baratas; que essas torturas eram efetuadas pelos próprios Oficiais; (...)

Quanto às mulheres torturadas, aqui estão somente as mais "leves", sem falar de seus filhos pequenos, também vítimas da covardia.

(BRASIL NUNCA MAIS - UM RELATO PARA A HISTÓRIA)

5.3.09

. delicadeza .

Clarisse Lispector: lindo!!!

"Ah! meu amor, as coisas são muito delicadas. A gente pisa nelas com uma pata humana demais, com sentimentos demais. Só a delicadeza da inocência ou só a delicadeza dos iniciados é que sente o seu gosto quase nulo. Eu antes precisava de tempero para tudo, e era assim que eu pulava por cima da coisa e sentia o gosto do tempero."

..."Eu não podia sentir o gosto da batata, pois a batata é quase matéria da terra; a batata é tão delicada que - por minha incapacidade de viver no plano da delicadeza do gosto terroso da batata - eu punha a minha pata humana em cima dela e quebrava sua delicadeza de coisa viva. Porque o material vivo é muito inocente."
De seu livro "A Paixão segundo GH"

. Cecília Meireles .

Nesta semana da Mulher, a graça de Cecília Meireles:

Até quando terás, minha alma, esta doçura

Até quando terás, minha alma, esta doçura,
este dom de sofrer, este poder de amar,
a força de estar sempre – insegura – segura
como a flecha que segue a trajetória obscura,
fiel ao seu movimento, exata em seu lugar...?

3.3.09

. "ditabranda".

Há alguns dias, em editorial, a Folha de São Paulo classificou a ditadura militar como "ditabranda". Absurdo total, para não dizer crime contra a memória brasileira e especialmente às famílias que tiveram seus ente-queridos presos, torturados, exilados ou "suicidas".

Por que a Folha não publica cartas de Ivan Seixas?
Do blog de Rodrigo Vianna

Ivan Seixas tinha 16 anos quando foi preso pela ditadura, ao lado do pai, Joaquim Alencar de Seixas. No dia 16 de abril de 1971, os dois foram levados para o DOI-CODI/OBAN, em São Paulo, e barbaramente torturados.
Ivan ficou indignado quando leu o editorial da Folha de S. Paulo, definindo a ditadura brasileira como “ditabranda”. Falei há pouco com ele por telefone:
“É muita arrogância dos Frias, ainda mais com os pés de barro que eles têm. Os Frias não têm direito de pontificar sobre a ditadura, até porque colaboraram com a ditadura”.
Ivan Seixas mandou duas cartas para a Redação da Folha, protestando. Nenhuma das duas foi publicada. Escreveu, também, para o Ombudsman. Nada. Nesta última, fez referência ao passado nebuloso do grupo Folha, jornal que “empregava carros para nos capturar e entregar para sessões de interrogatórios, como sofremos eu e meu pai. Ninguém me contou, eu vi carro da Folha na porta da OBAN/DOI-CODI."
Ivan sabe do que está falando quando diz que a Folha tem pés de barro nesse tema. Na madrugada do dia 17 de abril de 1971, poucas horas após a prisão dele e do pai, policiais a serviço da “ditabranda” tiraram Ivan da prisão para um “passeio” por São Paulo. Tomaram o caminho do Parque do Estado, uma área de mata fechada, próxima ao Jardim Zoológico. Lá, o jovem (algemado e desarmado) foi ameaçado várias vezes de fuzilamento. Os policiais - polidos como só acontecia na “ditabranda” brasileira - dispararam várias vezes bem ao lado da cabeça de Ivan. Ele fechava os olhos e tinha certeza que morreria: tortura terrível. Mas, deixaram-no vivo, pra contar a história.
No caminho para o Parque do Estado, os funcionários da “ditabranda” pararam numa padaria, na antiga Estrada do Cursino. Desceram pra tomar café, deixando Ivan no “chiqueirinho” da viatura. Foi de lá que Ivan conseguiu observar a manchete da Folha da Tarde (jornal do grupo Frias), estampada na banca bem ao lado da padaria: o jornal anunciava a morte do pai dele, Joaquim.
Prestem bem atenção: a Folha da Tarde do dia 17 trazia manchete com a morte de Joaquim – que teria ocorrido dia 16.
Só que, ao voltar de seu “passeio” com os policiais, Ivan encontrou o pai vivo e consciente, nas dependências do DOI-CODI. Joaquim só morreria – sob tortura – no próprio dia 17. Ou seja, o jornal da família Frias já sabia que Joaquim estava marcado pra morrer, e “adiantou” a notícia em um dia. Detalhe banal.
A historiadora Beatriz Kushnir publicou um livro em que conta essa e outras histórias mostrando os vínculos estreitos da família Frias com a ditadura.
Ivan está se movimentando para que o livro de Beatriz seja relançado este ano, em São Paulo. O ato serviria também como desagravo às vítimas da ditadura, e como protesto contra a família Frias, que quer reescrever a história recente do Brasil. O velho Frias, antes de ter jornal, se dedicava a criar galinhas. Não tinha pretensões intelectuais. Frias Filho – o Otavinho – acha que é um pensador. Devia criar galinhas. Pensando bem, melhor não. Deixem os bons granjeiros fazerem o serviço deles honestamente...
Rodrigo Vianna é jornalista